Os Papais Noéis negros e a importância da representatividade no Natal

A representatividade importa. É através dela que muitas pessoas conseguem se inspirar, saber que podem se tornar melhores e construir a sua identidade.
Por isso é tão importante que pessoas de diferentes etnias, idades, gêneros e culturas se vejam na política, na música, nos filmes, nas campanhas publicitárias e em vários outros espaços.
Pensando nisso, cada vez mais marcas têm promovido ações voltadas para a diversidade. Um exemplo disso é a iniciativa de alguns shoppings brasileiros de contratar Papais Noéis negros. A ideia é fazer com que crianças negras se identifiquem com esta figura tão importante na cultura ocidental e que quase sempre é retratada como uma pessoa branca.
Nós entrevistamos quatro Papais Noéis negros que atuam em shoppings de diferentes estados, para saber como é a experiência de serem Papais Noéis que fogem aos padrões e o quanto isso impacta as crianças atendidas por eles.
O Papai Noel que samba e exalta a cultura africana

Todo Natal, Ubirajara Araújo Pereira, de 66 anos, pensava nas crianças pobres que ficavam sem presentes.
Por conta disso, desde pequeno sempre quis se tornar Papai Noel. Esta parecia ser uma maneira de amenizar o sofrimento destas crianças.
Aposentado há 21 anos, há oito ele começou a fazer propagandas e a trabalhar como figurante.
Agora em 2019, através de um amigo, ficou sabendo da vaga para Papai Noel no Shopping Center Lapa, localizada em Salvador, Bahia. “O tema do shopping neste ano é Madagascar. Na África só tem negro, então eu atendi ao perfil do cargo: esbelto, alto e coroa”, diz com bom humor.
A sua rotina de Papai Noel envolve dar risadas, sambar, chorar com as pessoas e ouvir os seus pedidos.
“Eles me dizem: ‘você está me representando. Não entendo por que demorou tanto tempo para quebrar isso’ ”.
Algumas pessoas em situação de vulnerabilidade social vão ao shopping para vê-lo e pedem de presente uma moeda ou um pirulito, o que lhe corta o coração.
Uma vez, seu expediente já havia acabado e um garoto, que era de uma comunidade carente, começou a chorar e entrar em desespero por ter viajado por tanto tempo e ter chegado atrasado para o ver.
Ao ver essa situação, Ubirajara prontamente vestiu a sua roupa completa de papai Noel e foi atender o garoto.
Os olhos da criança brilharam e ele não teve outra reação a não ser o abraçar. “A emoção foi tão grande que eu acabei chorando junto. Nem consegui dormir direito naquela noite pensando no que havia acontecido. Esse trabalho vai além do dinheiro; é algo que eu queria ser por toda a vida”.
Uma das suas características mais marcantes é que ele não faz ‘hohoho’ como o Papai Noel do Polo Norte, pois para ele isso não tem o mínimo de senso de humor. Seu Papai Noel dá uma risada larga, samba para animar as pessoas e faz de tudo para deixar as pessoas ao seu redor mais alegres.
“Na África, as pessoas dançam e é a dança mais linda de todas. Tento trazer um pouco disso para o meu trabalho. Até a minha roupa foi confeccionada inspirada nessa cultura”.
Para cumprir a função, ele se preparou, aprendendo desde questões como a melhor forma de abordar as pessoas em geral até como lidar com crianças autistas.
Ele também tem sempre a preocupação de colocar as crianças ao seu lado na poltrona, e nunca no colo, para evitar qualquer tipo de assédio.
“As crianças são sensíveis. Tem que saber lidar com elas até elas se sentirem confortáveis”. Todos os dias quando o trabalho acaba, ele tem a sensação de dever cumprido.
O poeta que se tornou Papai Noel
Quando se lembra dos tempos em que era criança, Ismael Alcacibas, de 64 anos, conta que o Natal era uma época difícil.
Nascido em uma família de origem pobre, ele só recebia presentes quando havia distribuição gratuita na região ou quando a empresa do pai doava algo.
“Não me sentia chateado, porque entendia que meus pais passavam dificuldades. Como toda criança, eu tinha a fantasia do Natal, mas sabia que não podia ter aquilo”, conta.
Durante toda a sua vida, Ismael teve gosto pelos estudos. Estudante de escola pública, aos 13 anos começou a escrever poemas e na época do ginásio conseguiu uma bolsa para estudar em um colégio particular.
Para ajudar na renda da casa, se dividia entre os estudos e o trabalho de office boy.
Assim que concluiu a escola, queria tornar-se médico, mas apesar da dedicação de anos não conseguiu uma bolsa para medicina. Decidiu então se tornar professor de história. E os desafios após a formatura seguiram muitos.
“Para sustentar as minhas duas filhas, eu me dividia em dois empregos. Trabalhei por 40 anos como telefonista e 30 como professor no período da noite”.
Em 1999, lançou o seu primeiro livro, ‘Busca Incessante’, que contém 100 poemas sobre amor, sonhos, paixões não correspondidas e temas sociais.
Quando se aposentou, mudou-se para São José dos Campos e passou a se dedicar inteiramente à literatura.
Em uma das feiras livres da qual estava participando neste ano, uma moça que trabalhava no Vale Shopping Sul lhe fez a proposta. “O trabalho como Papai Noel surgiu como uma surpresa diferente e divertida”, ele relata com um sorriso no rosto.
Quando questionado sobre a recepção do público, ele esboça ânimo, por notar que as crianças tratam essa questão com naturalidade.
“Uma criança uma vez me disse: ‘Papai Noel, você está diferente. O senhor está mais velho’, mas não em função da minha cor, e sim por conta da minha barba”.
Outro encontro que o marcou muito foi com um senhor com idade semelhante à sua. O senhor se emocionou ao lhe dizer que esperou mais de 50 anos para tirar foto com um Papai Noel que se parecesse com ele.
Depois que as crianças fazem seus pedidos para o Papai Noel e tiram fotos, recebem livros de presente do shopping. Ismael gosta de ver o incentivo à leitura.
“É preciso alimentar a imaginação das crianças de hoje, para que no futuro eles se tornem adultos conscientes com uma boa saúde mental”, diz.
No dia 16 de dezembro de 2019, ele lançou o seu segundo livro, intitulado ‘O poeta, um varal e uma poesia’.
O primeiro Papai Noel negro carioca
Aylton Lafayette, de 67 anos, diz sempre ter tido uma relação saudável com o Natal. Ao longo da vida, já trabalhou com de tudo um pouco, mas o emprego que ao qual dedicou mais tempo foi o de segurança.
Também sempre teve gosto em ajudar o próximo e, por isso, antes da possibilidade de se tornar Papai Noel, realizava trabalhos voluntários com pessoas em situação de rua.
“Eu dava dinheiro e distribuía os presentes com os meus próprios recursos. Ajudava de coração”, diz.
Em 2005, descobriu uma Escola de Papais Noéis e passou a se dedicar a isso. Apesar de ter se formado nesta escola há mais de uma década, essa é a primeira vez em que conseguiu efetivamente trabalhar como o ‘bom velhinho’ em um shopping.
Com a barba natural branca e o jeito descontraído, ele sente que essa é a concretização de um antigo sonho.
Sob o tema ‘Natal de Todas as Cores’, o Madureira Shopping, localizado na Zona Norte do município do Rio de Janeiro, inovou ao trazê-lo, pois ele se tornou o primeiro Papai Noel negro de todos os shoppings cariocas.
Aylton, que não possui redes sociais, não consegue acompanhar as reações via internet, mas relata que pessoalmente elas são as melhores possíveis. “É lindo demais, emocionante. As pessoas choram e se sentem representadas”.
O primeiro Papai Noel negro brasileiro

Alegria, harmonia e união da família. Essa é a definição do Natal para Rubens Campolino, de 71 anos. O metalúrgico aposentado conta que nunca pensou na possibilidade de se tornar Papai Noel. “Você já viu algum [negro]? Eu fui o primeiro”, diz.
Rubens foi descoberto após conquistar o título de Mister Terceira Idade em 2017. O convite para trabalhar como bom velhinho foi proposto pelo Vale Sul Shopping, de São José dos Campos (SP).
No início, houve uma relutância da sua parte. “Qual seria a reação do público?”, “Como seriam as críticas?”, perguntava-se.
Apesar da resistência, a gerente de marketing do shopping, Luana Meneses, foi até a sua casa e pediu para que reconsiderasse.
Coincidentemente, há dois anos ele se vestiu como Papai Noel pela primeira vez, no Dia da Consciência Negra. Naquele momento, ele sabia que a história estava sendo feita.
Assim que começou o trabalho como Papai Noel, o sucesso foi imediato. Houve repercussão na internet e mais visitas ao shopping. “É uma alegria que não tem preço”, conta Rubens.
Apesar de não mexer muito nas redes sociais, sua filha mostra de vez em quando algumas postagens sobre a reação das pessoas. Um exemplo disso foi um vídeo publicado em dezembro de 2018 pela Família Quilombo, que viajou por uma hora e vinte minutos apenas para lhe dar um abraço e agradecer por ter aceitado o convite. “Eu me lembro de chorar por pensar que eu não gostava de Papai Noel, mas na verdade eu não me via nele”, diz Adriana Colombo.
Escrito por Por Isabela Alves



A representatividade importa. É através dela que muitas pessoas conseguem se inspirar, saber que podem se tornar melhores e construir a sua identidade.
Por isso é tão importante que pessoas de diferentes etnias, idades, gêneros e culturas se vejam na política, na música, nos filmes, nas campanhas publicitárias e em vários outros espaços.
Pensando nisso, cada vez mais marcas têm promovido ações voltadas para a diversidade. Um exemplo disso é a iniciativa de alguns shoppings brasileiros de contratar Papais Noéis negros. A ideia é fazer com que crianças negras se identifiquem com esta figura tão importante na cultura ocidental e que quase sempre é retratada como uma pessoa branca.
Nós entrevistamos quatro Papais Noéis negros que atuam em shoppings de diferentes estados, para saber como é a experiência de serem Papais Noéis que fogem aos padrões e o quanto isso impacta as crianças atendidas por eles.
O Papai Noel que samba e exalta a cultura africana

Todo Natal, Ubirajara Araújo Pereira, de 66 anos, pensava nas crianças pobres que ficavam sem presentes.
Por conta disso, desde pequeno sempre quis se tornar Papai Noel. Esta parecia ser uma maneira de amenizar o sofrimento destas crianças.
Aposentado há 21 anos, há oito ele começou a fazer propagandas e a trabalhar como figurante.
Agora em 2019, através de um amigo, ficou sabendo da vaga para Papai Noel no Shopping Center Lapa, localizada em Salvador, Bahia. “O tema do shopping neste ano é Madagascar. Na África só tem negro, então eu atendi ao perfil do cargo: esbelto, alto e coroa”, diz com bom humor.
A sua rotina de Papai Noel envolve dar risadas, sambar, chorar com as pessoas e ouvir os seus pedidos.
“Eles me dizem: ‘você está me representando. Não entendo por que demorou tanto tempo para quebrar isso’ ”.
Algumas pessoas em situação de vulnerabilidade social vão ao shopping para vê-lo e pedem de presente uma moeda ou um pirulito, o que lhe corta o coração.
Uma vez, seu expediente já havia acabado e um garoto, que era de uma comunidade carente, começou a chorar e entrar em desespero por ter viajado por tanto tempo e ter chegado atrasado para o ver.
Ao ver essa situação, Ubirajara prontamente vestiu a sua roupa completa de papai Noel e foi atender o garoto.
Os olhos da criança brilharam e ele não teve outra reação a não ser o abraçar. “A emoção foi tão grande que eu acabei chorando junto. Nem consegui dormir direito naquela noite pensando no que havia acontecido. Esse trabalho vai além do dinheiro; é algo que eu queria ser por toda a vida”.
Uma das suas características mais marcantes é que ele não faz ‘hohoho’ como o Papai Noel do Polo Norte, pois para ele isso não tem o mínimo de senso de humor. Seu Papai Noel dá uma risada larga, samba para animar as pessoas e faz de tudo para deixar as pessoas ao seu redor mais alegres.
“Na África, as pessoas dançam e é a dança mais linda de todas. Tento trazer um pouco disso para o meu trabalho. Até a minha roupa foi confeccionada inspirada nessa cultura”.
Para cumprir a função, ele se preparou, aprendendo desde questões como a melhor forma de abordar as pessoas em geral até como lidar com crianças autistas.
Ele também tem sempre a preocupação de colocar as crianças ao seu lado na poltrona, e nunca no colo, para evitar qualquer tipo de assédio.
“As crianças são sensíveis. Tem que saber lidar com elas até elas se sentirem confortáveis”. Todos os dias quando o trabalho acaba, ele tem a sensação de dever cumprido.
O poeta que se tornou Papai Noel
Quando se lembra dos tempos em que era criança, Ismael Alcacibas, de 64 anos, conta que o Natal era uma época difícil.
Nascido em uma família de origem pobre, ele só recebia presentes quando havia distribuição gratuita na região ou quando a empresa do pai doava algo.
“Não me sentia chateado, porque entendia que meus pais passavam dificuldades. Como toda criança, eu tinha a fantasia do Natal, mas sabia que não podia ter aquilo”, conta.
Durante toda a sua vida, Ismael teve gosto pelos estudos. Estudante de escola pública, aos 13 anos começou a escrever poemas e na época do ginásio conseguiu uma bolsa para estudar em um colégio particular.
Para ajudar na renda da casa, se dividia entre os estudos e o trabalho de office boy.
Assim que concluiu a escola, queria tornar-se médico, mas apesar da dedicação de anos não conseguiu uma bolsa para medicina. Decidiu então se tornar professor de história. E os desafios após a formatura seguiram muitos.
“Para sustentar as minhas duas filhas, eu me dividia em dois empregos. Trabalhei por 40 anos como telefonista e 30 como professor no período da noite”.
Em 1999, lançou o seu primeiro livro, ‘Busca Incessante’, que contém 100 poemas sobre amor, sonhos, paixões não correspondidas e temas sociais.
Quando se aposentou, mudou-se para São José dos Campos e passou a se dedicar inteiramente à literatura.
Em uma das feiras livres da qual estava participando neste ano, uma moça que trabalhava no Vale Shopping Sul lhe fez a proposta. “O trabalho como Papai Noel surgiu como uma surpresa diferente e divertida”, ele relata com um sorriso no rosto.
Quando questionado sobre a recepção do público, ele esboça ânimo, por notar que as crianças tratam essa questão com naturalidade.
“Uma criança uma vez me disse: ‘Papai Noel, você está diferente. O senhor está mais velho’, mas não em função da minha cor, e sim por conta da minha barba”.
Outro encontro que o marcou muito foi com um senhor com idade semelhante à sua. O senhor se emocionou ao lhe dizer que esperou mais de 50 anos para tirar foto com um Papai Noel que se parecesse com ele.
Depois que as crianças fazem seus pedidos para o Papai Noel e tiram fotos, recebem livros de presente do shopping. Ismael gosta de ver o incentivo à leitura.
“É preciso alimentar a imaginação das crianças de hoje, para que no futuro eles se tornem adultos conscientes com uma boa saúde mental”, diz.
No dia 16 de dezembro de 2019, ele lançou o seu segundo livro, intitulado ‘O poeta, um varal e uma poesia’.
O primeiro Papai Noel negro carioca
Aylton Lafayette, de 67 anos, diz sempre ter tido uma relação saudável com o Natal. Ao longo da vida, já trabalhou com de tudo um pouco, mas o emprego que ao qual dedicou mais tempo foi o de segurança.
Também sempre teve gosto em ajudar o próximo e, por isso, antes da possibilidade de se tornar Papai Noel, realizava trabalhos voluntários com pessoas em situação de rua.
“Eu dava dinheiro e distribuía os presentes com os meus próprios recursos. Ajudava de coração”, diz.
Em 2005, descobriu uma Escola de Papais Noéis e passou a se dedicar a isso. Apesar de ter se formado nesta escola há mais de uma década, essa é a primeira vez em que conseguiu efetivamente trabalhar como o ‘bom velhinho’ em um shopping.
Com a barba natural branca e o jeito descontraído, ele sente que essa é a concretização de um antigo sonho.
Sob o tema ‘Natal de Todas as Cores’, o Madureira Shopping, localizado na Zona Norte do município do Rio de Janeiro, inovou ao trazê-lo, pois ele se tornou o primeiro Papai Noel negro de todos os shoppings cariocas.
Aylton, que não possui redes sociais, não consegue acompanhar as reações via internet, mas relata que pessoalmente elas são as melhores possíveis. “É lindo demais, emocionante. As pessoas choram e se sentem representadas”.
O primeiro Papai Noel negro brasileiro

Alegria, harmonia e união da família. Essa é a definição do Natal para Rubens Campolino, de 71 anos. O metalúrgico aposentado conta que nunca pensou na possibilidade de se tornar Papai Noel. “Você já viu algum [negro]? Eu fui o primeiro”, diz.
Rubens foi descoberto após conquistar o título de Mister Terceira Idade em 2017. O convite para trabalhar como bom velhinho foi proposto pelo Vale Sul Shopping, de São José dos Campos (SP).
No início, houve uma relutância da sua parte. “Qual seria a reação do público?”, “Como seriam as críticas?”, perguntava-se.
Apesar da resistência, a gerente de marketing do shopping, Luana Meneses, foi até a sua casa e pediu para que reconsiderasse.
Coincidentemente, há dois anos ele se vestiu como Papai Noel pela primeira vez, no Dia da Consciência Negra. Naquele momento, ele sabia que a história estava sendo feita.
Assim que começou o trabalho como Papai Noel, o sucesso foi imediato. Houve repercussão na internet e mais visitas ao shopping. “É uma alegria que não tem preço”, conta Rubens.
Apesar de não mexer muito nas redes sociais, sua filha mostra de vez em quando algumas postagens sobre a reação das pessoas. Um exemplo disso foi um vídeo publicado em dezembro de 2018 pela Família Quilombo, que viajou por uma hora e vinte minutos apenas para lhe dar um abraço e agradecer por ter aceitado o convite. “Eu me lembro de chorar por pensar que eu não gostava de Papai Noel, mas na verdade eu não me via nele”, diz Adriana Colombo.
Escrito por Por Isabela Alves




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